domingo, 29 de março de 2009

A rocha

Caminho sozinho pela ponte, sentindo o vento cortante bater forte no rosto. O sol raiando no céu, quente. De um lado nada, do outro, menos ainda. Nenhum automóvel, nenhum rosto, nenhum ser. Aliás, parecia que nada nunca tinha colocado os pés por ali.

Em um único pilar de sustentação identifiquei pesadas rochas, fortes, se sobrepondo. Precisava de uma daquelas na minha vida, algo em que me apoiar. Conversei mentalmente com ela. Era tímida, mas aos poucos se abriu. Contou-me sobre como era importante sua função ali; sem ela nada ficaria em pé, a ponte nada aguentaria.

Fiquei maravilhado e invejei minimamente aquela nova amiga, que ficou horas dialogando sobre sua simples e dura e eterna função de sustentar aquela estrutura. Perguntei, enfim, porque trabalhar tanto sem poder ser prestigiada, ou ainda inutilmente, pois afinal de contas ninguém passava por ali.

Silenciou-se. Por horas não me respondeu nada. Eu permaneci quieto também, aguardando uma reação, mas não. A reação não aconteceu.

Pude perceber então uma frieza, uma tristeza; e observei que uma gota escorria por uma das rochas. Uma lágrima. Talvez. Ela finalmente falou. Disse que as coisas foram acontecendo, que no princípio ela havia sido criada para se tornar um local de grande passagem pelas pessoas, que sua estrutura era muito reforçada para aguentar esforços resultantes inimagináveis. No entanto, não suportava a situação que a solidão proporcionava.

Observei uma ansiedade, definiria melhor como desespero. Arrepiei-me. Ela continuou dizendo que a culpa era dela, que haviam sido feitas escolhas, locais onde ela seria elevada. Foi decisão minha esse lugar. Tive medo, muito medo, mas arrisquei. Notei que ela falava rapidamente, que se enrolava ao balbuciar algumas monossílabas. Arrependimento havia, talvez com certeza; mas ela se esforçou em não me demonstrar.

E desabou. Tanta força, tanto trabalho, tanto na vida, e ela desabou. Rochas pesadas, de concreto puro, não foram suficientes nesse momento. Nada seria suficiente, porque se encontrava sozinha, perdida.

Tristemente me virei, continuei a percorrer meu caminho. Logo, outra estrutura seria elevada ali e nada mais restaria da minha amiga. Ninguém sentiria nem falta, nem ao menos perceberiam que foi substituída. Triste fim, pensei. E tive medo de terminar de modo semelhante, senti um profundo medo.

Foi decisão minha esse lugar. Tive medo, muito medo, mas arrisquei. Eu já optei, se certo, se errado, não sei. A questão é onde eu chegarei? Até que ponto aguentarei?

Eu não sei.

sábado, 21 de março de 2009

Destino


Escureceu, anoiteceu, e eu permanecia ali, imóvel. O medo de me movimentar e talvez sofrer pelos ferimentos abertos, expostos, era enorme e tendia a aumentar, e aumentar. O consciente já não era mais. Inconsciente. E este desesperava-se lentamente e perigosamente. O frio, atingível até embaixo das pesadas rochas, tremia minha estrutura muscular dental, que batia. Os ruídos soavam como uma orquestra de anjos infernais e as risadas ecoavam pelo ar. Maldosas, maléficas.

Minha mobilidade não sonhava em voltar. Medo. A cada piscada de milésimos pensada me entorpecia mais, me inutilizava mais. E eu já nem sofria, nem tentava, nem sorria. Ninguém fazia nada. Nenhum deles conseguia.

Finalmente entendi a situação em que me encontrava, o sentimento que dominava e possuía meus orgãos e minha alma.

Enterro, sepulcro. Não passava de um defunto, um mero pedaço de matéria orgânica pronto para ser digerido, saboreado. E me angustiava pensar o tanto de terra que havia sobre mim e a escuridão que me devorava, feroz. Mais tenebroso ainda era pensar que não havia outra saída, nenhuma possibilidade de sobrevivência.

A vida inteira passa em segundos. Integra. Desintegra. E nem uma lágrima desce, não tem tempo, não tem ar. E aos poucos eu paro, eu morro, imobilizo, finalizo. E chego onde todos um dia irão chegar. Destino.

domingo, 15 de março de 2009

Conclusões de um piloto


- Desce!

É engraçado você observar as pessoas, principalmente quando você trabalha tão próximo a elas.

Eu sou, como muitos definem, o rapaz do elevador, mas na verdade eu sou um piloto oficial do transporte público vertical de passageiros; muito bem treinado por sinal. Minha função é transportar pessoas e seus respectivos pertences com segurança e rapidez.

Durante a realização da minha tarefa eu observo, analiso os vários tipos físicos e psicológicos que adentram minha máquina de trabalho. É hilariante.

- 7º andar. Por nada senhora, tenha um bom dia!

Existem aqueles que logo que entram se sentem em casa, sozinhos, relaxados. Logo começam a falar com o espelho. “- Nossa ein! Você tá muito gata hoje! - Minina, hoje você está no auge! – Nossa! Pego fácil, miau!” Logicamente, me sinto constrangido, é como se eu invadisse a privacidade deles, em seu banheiro por exemplo.

Há aqueles que contam “causos” de suas vidas, choram, riem, gritam. Esses na maioria das vezes estão acompanhados. “– Olha, o Carlos Alberto é um desgraçado, um ordinário, eu não aguento mais sabe!”

- Bom dia Sr. Carlos Alberto!

Alguns contam seus segredos mais obscenos, suas relações íntimas, assim dizendo. “– Olha cara, a loiraça do escritório de advocacia do 3º andar é uma delícia na cama, faz loucuras, você não pode imaginar.” Inconsequentemente eu imagino, claro.

Existem também, os com problemas de ‘claus’ sei lá o que, que logo que entram respiram fundo, fecham os olhos e começam a contar. “- Calma, uh! 1, 2, 3, 4 ..., tá chegando, uh! Calma!” E logo que chegam ao destino, saem correndo.

Tem aqueles com o celular, muito ignorantes por sinal. “- Alo? Resolveu o problema? Mas que porra, você não serve pra nada mesmo!”

Temos os educados, que só faltam deixar uma gorjeta e a benção de Deus; e os mal-educados, que nem agradecem e ainda olham de cara feia.

Os excitados são os melhores, os meus favoritos. Esses, logo que o elevador começa a andar soltam leves gritinhos. “- Ui! Ta subindo. – Nossa, que friozinho na barriga.” Alias muitos se entregam nessas horas.

Os namoradinhos, compostos pela classe jovem, com hormônios saltitantes, fazem do elevador seu local de... “– Ai amor, aqui não. – Nossa, que delícia. – Olha essa mão boba amor, o moço ta olhando.” E até parece que olhar intimida-os a ponto de parar.

- 6º, 7º e 8º, subindo!

Alguns são espaçosos demais, empurram, se mechem, enfim, incomodam. “– Porra, chega pra lá. – Ai moço, desencosta um pouquinho, ta quente!”

Os esquecidos, que entram sem saber aonde vão; tem sempre uma cara boba, de nordestinos que acabaram de realizar a migração. “– Qual andar? – Não sei. Ah, onde é mesmo? Qual o andar do Dr. Juarez? – 4º senhor.”

Temos as patricinhas, que olham a calça, a blusa, o sapato, a bunda, o decote, as unhas e por último comentam sobre o piloto, no caso eu. “– Reparo amiga? Gatinho!” Um constrangimento aceitável.

Por último, mas não menos importante, temos os passageiros bomba. Esses mesmo, os que não podem ver um local fechado, com pouca ventilação e muitas pessoas que começam a liberar seus gases. A situação é sempre muito inconveniente e nunca revela-se ao certo um culpado. “– Púúúú! Ah, mas ta de sacanagem eim! Quem teve a coragem de soltar um peido no elevador?” Pela minha vasta experiência pude observar que esses são sempre os responsáveis pela bomba, os que questionam primeiro.

Enfim, é um trabalho digno, que exige um conhecimento aprofundado na máquina e um ainda maior, acompanhado de muita paciência, nas pessoas que a utilizam.

- Até amanhã senhor, bom descanso!

sábado, 14 de março de 2009

Eu não tinha nada a ver com aquilo


Eu não tinha nada a ver com aquilo. Droga!

Bem, eu sou funcionário da empresa Spartos, uma multinacional que utiliza da reciclagem pra sobreviver. Ultimamente seu crescimento tem sido estrondoso. Eu, como um simples e mero funcionário que sou, fui promovido. Hoje sou Diretor Geral de Finanças Estrangeiras.

Um belo dia em que gozava em minha mesa, no meu magnífico e novo escritório, meu ilustre chefe adentrou. Ilustre, e único, e rico, e insuportável, e dono de toda a rede Spartos. Como de costume não bateu na porta. Enquanto ele gritava e se movimentava freneticamente eu tentava entender tudo que acontecia.

Depois de um breve momento, ele cessou. – Você quer que eu busque um americano no aeroporto pra você? Indaguei, abismado. Ele secamente respondeu que sim. Filho-da... – Você não tem um Office-boy? Ou ainda, um estagiário pra isso?

Eu não tinha nada a ver com aquilo. Droga! E estava eu lá, como um cachorrinho indo buscar seu osso, em direção ao aeroporto. Ele me convenceu o que eu podia ter feito? Veio me dizendo que precisava de alguém responsável, com aparência adequada, bonito, alto, de confiança e terminou dizendo que eu era diretor de Finanças Estrangeiras. Só porque o mané é americano? Porque ele não pediu pra secretária peituda dele?

O avião já havia pousado e eu segurava uma ridícula placa escrita “Spartos”, ou melhor, “sou da Spartos seu branquelo desgraçado”. Depois que toda a tribulação já havia saído algo apareceu ao longe. Era ele, alto, vestido num terno branco, sapatos dourados, uma corrente de $ no pescoço, toca de veludo na cabeça e afro-descendente. Espera ai?! Isso é um empresário ou um cantor de Hip-Hop?

Arrastei o maluco, que chegou dizendo – E ai meu chapa?!, direto para o carro. Esperava não encontrar ninguém conhecido.

- Cadê o meu carro? Desesperadamente, berrei. Roubado! Algo mais pra completar meu pacote diário de desgraça? Acho que não. Procurei então o Marcelo D2 americano e logo o avistei, dando em cima de todas as mulheres que passavam.

- Vamos de taxi! Disse, enfiando ele no primeiro que eu avistei. Mais calmo agora disse ao taxista o caminho mais rápido a seguir e pedi agilidade. Acho que ele não entendeu, errou o caminho duas vezes e andava como uma mula. A minha vontade era enfiar aquele sotaque mineiro dele garganta abaixo. Mas, eu sou um diretor de sucesso de uma multinacional, não me rebaixo a esse ponto. Não posso dizer o mesmo da celebridade ao meu lado que praticamente estrangulou o motorista. Ainda bem que eu o segurei.

Entramos assim num enorme congestionamento, desses típicos da cidade de São Paulo. O taxista levantou e foi esticar as pernas. Eu soava tanto quanto o negão ao meu lado. Ao longe, observei uma tremenda correria e logo o inútil e preguiçoso motorista entrou no carro dizendo: - Arrastão!

O pânico foi geral, ninguém sabia o que fazer. Não tínhamos aonde ir. Enquanto eu enlouquecia o mitidão cantor de Hip-Hop saia do carro super animado. Acho que ele não entendeu o verdadeiro significado da palavra “arrastão”. E lá fora ele gritava: - Eu sempre quis participar de um arrastão. Ele entendeu sim e acho que é o sonho de todos estrangeiros que vem ao Brasil.

Pois então, o deixei aproveitar o momento. Logo que quase tudo já havia sido levado e o americano já estava em orgasmo profundo por realizar seu sonho, voltamos ao caminho em direção à filial da empresa.

Chegando lá, adentrei pelos corredores acompanhado de um... Do americano que praticamente desenvolvia rap’s a cada mesa avistada. Todos me olhavam e comentavam ruidosamente. Que vergonha!

Agora no ultimo andar, já entrando na sala do meu chefe, anunciei que o empresário americano havia chegado. Ele fez uma cara de que não estava entendendo nada. Entraram então o americano e a secretária peituda.

- Sogrão! O americano disse, espontaneamente. O que?! Que absurdo é esse? A secretária percebendo minha enorme cara de dúvida me explicou que o esquisito era o futuro marido da filha do chefe, que pelo jeito tinha uma caidinha por cantores de Hip-Hop. Minha cara de raiva era obvia.

Fui para minha sala, descansar pelo enorme dia de trabalho. De repente uma correria, as sirenes tocaram, era incêndio. E lá vamos nós novamente... Meu Deus e será que esse dia vai acabar?

Eu tenho medo

- Onde estou? É tudo que eu me pergunto. Não enxergo nada, não consigo me mover, não existe iluminação. Tenho medo. Eu precisava tanto sair daqui, ver o mundo lá fora, ir de encontro às coisas que sentem a minha falta, as pessoas. Mas eu não consigo sair, não dá.
Eu ando, me arrastando pelas paredes, procurando uma porta, uma janela, uma saída, um vão qualquer que me liberte. Não acho. E vou me apavorando com as imagens que surgem na minha frente.
Eu preciso tanto de um apoio, de uma claridade qualquer, eu tenho horror ao escuro e essa situação me deixa sem ar, sem movimentos. Tira-me daqui, por favor! Eu não tenho com quem contar, não tenho ninguém pra me auxiliar, - Ei psiu, vai por ali! Eu preciso tanto de um conselho, uma dica que seja.
Me sinto abandonado numa selva, com milhões de animais selvagens esperando pra me abocanhar, urubus sobrevoando minha cabeça somente esperando o momento certo pra fazer de mim a humilde refeição diária. Socorro!
Mas o que mais me amedronta, o que mais me afugenta não é saber que estou trancafiado no escuro eterno, mas sim saber que estou sozinho. Eu tenho medo de ficar sozinho, eu tenho medo de morrer sozinho.
E eu estou morrendo, por dentro, aos poucos. Você não vai fazer nada pra impedir isso? Nada mesmo?
Então, me permita ao menos morrer ao seu lado.